sábado, 10 de dezembro de 2016

Larry Bird, o senhor fundamentos



Em boa hora, a NBA decidiu publicar, no seu canal oficial no youtube, um vídeo dedicado a uma das maiores lendas do basquetebol, Larry Bird, que faz jus à sua qualidade extraordinária.

Qualquer fã de basquetebol, mesmo jovem, deliciar-se-á com os movimentos da maior estrela da história dos Boston Celtics, ainda a equipa mais vezes campeã da competição (17). Bird liderou os Celtics ao longo da década de 80, contribuindo para três títulos e para a presença em mais duas finais. A rivalidade com os Lakers, comandados por Magic Johnson, com cinco títulos em oito finais nessa década, é apontada como uma das principais razões para o sucesso da liga profissional norte-americana. O advento do basquetebol enquanto espectáculo televisivo (e da NBA enquanto máquina de propaganda e pioneira do marketing no desporto) deu-se precisamente nos anos 80, com Bird e Magic a reunirem a maior dose de protagonismo e como que a prepararem terreno para um miúdo, um tal de Michael Jordan, que dominaria, desportiva e mediaticamente, a década seguinte,

Possivelmente, os miúdos, habituados que estão a ver highlights das actuais estrelas da NBA, não ficarão impressionados por aí além com este vídeo. Reconhecerão o campo, as tabelas, a bola, o entusiasmo do público, mas terão uma vaga noção de se tratar do mesmo desporto. O basquetebol era mais lento, mais agressivo e, consequentemente, mais colectivo. Era, sobretudo, uma busca desenfreada por soluções, tanto ofensivas como defensivas, para resolver problemas colocados pelos adversários. Dir-me-ão, então, que a essência não se alterou. A questão é que a panóplia de soluções, devido às limitações físicas, quando comparadas com a capacidade actual da generalidade dos jogadores, era imensamente mais alargada. Bird foi, muito provavelmente, o expoente máximo do domínio dos fundamentos.

Passar, driblar, lançar, ressaltar, bloquear, ler o jogo. Parece simples, embora a norma, no presente, excepção feita aos bases, se resuma a correr, saltar e lançar. E a culpa é da NBA.

Em nome do espectáculo e do endeusamento de estrelas (privilegiar as acções individuais), a NBA introduziu, ao longo dos anos, uma série de modificações que alteraram o jogo. Não discuto a pertinência dessas decisões relativamente ao objectivo de tornar o desporto mais atractivo ao público em geral, até porque a reconheço. No entanto, dada a dificuldade cada vez mais acentuada em marcar pontos, surgiu a permissividade na aplicação da regra dos passos no arranque (hoje em dia a ultrapassar as raias do aceitável), a penalização da agressividade defensiva e a limitação do contacto ou a impossibilidade de provocar faltas ofensivas num raio de um metro do cesto, entre outras medidas, que tornaram o basquetebol mais fácil para jogadores que, embora eventualmente menos dotados tecnicamente, disponham de maior capacidade física.

Bird era alto, mas relativamente lento e pouco saltava, mesmo no início da sua carreira. Para criar vantagem sobre os adversários no arranque ou para criar espaço de lançamento, precisava de trabalho de pés. Para se soltar do defensor, necessitava de ler o posicionamento dos adversários e saber tirar vantagem dos bloqueios dos colegas. Para passar a bola a um colega solto, além de o ver (outro assunto...), tinha que dominar o gesto técnico sob as suas mais diversas formas, com qualquer das mãos ou ambas. Para ganhar ressaltos, não se poderia limitar a seguir a bola e a saltar, até porque não beneficiava de boa impulsão. Tinha antes que se aplicar nos bloqueios defensivos e retirar a possibilidade a jogadores mais atléticos de disputarem a bola. Bird conglomerava todos os fundamentos com mestria e, por fazê-lo, apesar de algumas limitações físicas, tornou-se num dos melhores jogadores de sempre.

Por vezes sou confrontado com a ausência de necessidade, no basquetebol actual, do domínio dos fundamentos. Por exemplo, a predominância das estrelas na execução das acções ofensivas é cada vez maior e o mesmo se aplica, consequentemente, à especialização dos jogadores ou, como os americanos lhes chamam, aos "role players". Ainda há poucos dias Klay Thompson concretizou 60 pontos em somente 29 minutos em campo. Fez 33 lançamentos, tocou na bola 52 vezes, driblou apenas 11. Ao todo, teve a bola nas mãos num total de 90 segundos. Claro que tal só é possível porque, além de ser um excelente lançador e fazer parte de uma equipa fenomenal da qual fazem parte dois dos melhores jogadores da actualidade, Steph Curry e Kevin Durant (já para não mencionar Draymond Green), o que lhe propicia mais espaço para lançar, Thompson sabe ler o jogo e tira o máximo partido dos bloqueios que os colegas lhe proporcionam. Mas onde quero chegar é, tendo em conta a capacidade física dos jogadores no presente, nem consigo imaginar o que seria se um deles tivesse pelo menos metade da técnica de Larry Bird.

Não por acaso, ao longo dos últimos vinte anos, os jogadores europeus deixaram de ser casos raros na NBA e a Europa tornou-se numa proveniência normal. A resposta reside nos fundamentos e na inteligência basquetebolística. E casos subsistem de atletas menos dotados fisicamente que, não obstante as suas limitações, ascendem ao estrelato devido, precisamente, ao domínio dos fundamentos. Tim Duncan será, talvez, o melhor exemplo da última década e prevejo que Karl Anthony Towns seja um seu digno sucessor. E, claro, Michael Jordan aliava velocidade estonteante e impulsão inacreditável à mestria na utilização dos fundamentos (e a uma série de características da sua personalidade...). Por isso, Michael Jordan ascendeu ao olimpo.

P:S: No texto refiro que os miúdos vêem, sobretudo, highlights dos jogadores, ao invés de jogos inteiros. Não me chamem conservador, mas a probabilidade de, no futuro, haver ainda menos inteligência basquetebolística é elevada. Lebron James, a maior estrela da actualidade, não prima por esta característica e é, de facto e apesar disso, a maior estrela da actualidade.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

A melhor noite de sempre?


Ontem foi, provavelmente, a melhor noite de sempre da história das épocas regulares da NBA. Ao recorde obtido pelos Golden State Warriors, conseguindo 73 vitórias e 9 derrotas, juntou-se-lhe a despedida de um dos melhores jogadores de sempre, o Kobe Bryant, que marcou 60 pontos no seu derradeiro jogo (bateu o recorde de lançamentos tentados num jogo - 50!?!?).

Se do Kobe nos despedimos, com o Steph Curry continuaremos a deliciarmo-nos com o seu basquetebol. E ontem, com dez triplos marcados, ultrapassou a fasquia dos 400 lançamentos de três pontos convertidos numa só temporada. Em 2012/13 já havia estabelecido o recorde, com 272. Elevou-o para 286 na temporada passada. E, na temporada regular que terminou ontem, conseguiu uns inimagináveis 402.

Sobre cada um destes atletas extraordinários, destaco o seguinte:
- O Kobe pertence à minha geração e todos os que praticámos basquetebol, sem excepção, tentámos, de alguma forma, imitar o Michael Jordan. O Kobe foi o único que se aproximou ao melhor de sempre;
- O Steph Curry faz parte de um lote reduzidíssimo de atletas que, além de serem considerados dos melhores de sempre, têm também impacto no jogo, ao ponto de contribuírem para a evolução da forma de jogar.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Steph Curry - A história a acontecer

Ontem, por volta da 1:30, disse à minha namorada que estava cheio de sono e que, provavelmente, iria dormir. Apesar de ter sido sincero no plano das intenções, tanto eu como ela sabíamos que o mais certo seria manter-me acordado, pois jogariam os Warriors daí a pouco.

Deixar de ver uma partida desta equipa é, potencialmente, perder uma oportunidade de ver a história do basquetebol a acontecer. Em parte, porque os Warriors são uma das melhores equipas de sempre e teimam em contrariar os arquétipos da modalidade. Mas, sobretudo, porque cada exibição do Steph Curry poderá ser uma daquelas que será vista e revista passados vinte anos.

Ontem, numa noite em que a sua equipa se deslocou ao pavilhão de um dos seus adversários mais temíveis e não estava particularmente inspirada, o Curry decidiu contrariar a realidade, elevando as suas acções a um plano que, normalmente, está reservado apenas aos deuses. 12 triplos convertidos em somente 16 tentados é inacreditável. Todas as outras coisas que o base dos Warriors fez ao longo do jogo, em que se lesionou e necessitou de ir ao balneário para ser assistido, foram surreais. No entanto, é na última jogada do jogo que reside a maior causa de admiração e, porque não, veneração por este miúdo que, apesar de ser o melhor jogador da actualidade e um dos melhores de sempre, não se notabiliza minimamente pelas suas características físicas, mas antes pela sua técnica assombrosa, instinto inigualável e criatividade inimitável.

Com posse de bola a 5 segundos do fim, o normal seria pedir um desconto de tempo e preparar uma jogada. Para quê?

A 3 segundos do fim e pouco à frente da linha do meio campo, o normal seria continuar a driblar e aproximar-se do cesto. Para quê?

Em boa verdade, o Steph Curry estava enquadrado com o cesto, a distância era apenas um pormenor relativo às leis da física, as quais, aparentemente, não se lhe aplicam. Lance decisivo, dez ou onze metros e cá vai disto, vitória para Golden State. Saltei e festejei como se tratasse de um golo do Benfica. Abençoada internet, que nos permite ver a história a acontecer.